segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O pecado de Darwin


Mesmo tendo estado em casa demorei mais de três meses a ler este livro. Não é que não gostasse dele mas durante o dia tinha outras coisas para fazer e quando me ia deitar dava-me o sono e acabava por não o ler. Agora com as viagens de comboio voltei às leituras, terminei este e já estou quase a acabar o Sétimo Selo. O facto de admirar o trabalho de Darwin fez com que gostasse deste livro, das revelações feitas e de toda a história que envolve a vida do naturalista. Aproveito para participar com mais um livro na Academia dos Livros.


O Pecado de Darwin, de John Darnton


“O Pecado de Darwin leva-nos à Inglaterra Vitoriana para nos revelar os segredos que rodeiam a vida e a obra do cientista britânico Charles Darwin, num romance que, além de combinar harmoniosamente factos históricos e ficção, responde a questões como: o que levou Darwin a formular a teoria da evolução? Porque demorou vinte e dois anos a publicar A Origem das Espécies?
Ao longo desta obra, Darnton reescreve a verdadeira história de Darwin sob três perspectivas diferentes: a do próprio explorador enquanto jovem, a da sua filha Lizzie e a dos investigadores Hugh Kellem e Beth Dulcimer, cuja obsessão pelo naturalista (e um pelo outro) os leva muito além de uma mera investigação académica. Ao descobrirem os diários e as cartas de Lizzie, Hugh e Beth encontram um capítulo oculto da bibliografia de Darwin, que vai revelar inúmeros segredos, no quais reside o nascimento da teoria da evolução.”

Pode ler aqui no blog da Carla.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O Operário em Construção

Conhecem Vinicius?
Ele vive nas músicas e nas palavras que deixou. Nunca ninguém cantou o amor como ele! Nas paixões, desilusões, angústias e alegrias. Vinicius é um artista completo, ele usa as palavras e a música como forma de demonstrar o que lhe vai na alma. As palavras destilam sentimentos, promovem sensações, provocam pensamentos!
Vinicius é um vício bom, seja na música ou na poesia. Deleitem-se com as palavras e com os vídeos. Ficam aqui alguns dos meus sonetos favoritos e o poema "O Operário em Construção" que dá nome ao livro.

Soneto de Separação






De repente do riso fez-se o pranto
silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.



Soneto do amor total




Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afin, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.


O Operário em Construção 1ª parte





O Operário em Construção 2ª parte







Era ele que erguia as casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.


De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas se fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.


Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela casa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer sua profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia nada no mundo
Coisa que fosse mais bela
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.


E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que a sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
«... Convençam-no» do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!


Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.


Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.


Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!


– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão


Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O Evangelho segundo Jesus Cristo

De José Saramago não há muito a dizer; paradoxalmente amado e reconhecido ou desprezado e ignorado, faz parte com Fernão Lopes, Gil Vicente, Camões, Eça de Queiróz, Fernando Pessoa e Miguel Torga de um ínclito grupo de enormes Autores Portugueses. Pois e ganhou o Nobel.

Com Jorge de Sena ou Eduardo Lourenço faz parte de um grupo de ilustres Portugueses que não quis viver em Portugal…
Como Mário Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marquez, Milan Kundera ou Ernest Hemingway marcou de uma forma profunda a literatura do século XX.

Há outros grandes escritores na história da literatura? Claro que há, era o que faltava.

Assim, o que torna Saramago tão especial? Uma assombrosa Cosmogonia? Uma apurada reflexão sobre assuntos incómodos à maioria das pessoas? Uma desassombrada morfologia linguística que poupa virgulas e pontos finais ao ponto de deixar o leitor sem respiração? Como dizia o meu Professor de História do 6º ano: “não só, mas também”…

Efectivamente, confesso que a sua Cosmogonia me perturba menos que a de Bóris Vian ou a de Pier Paolo Pasolini. Ou mesmo a de Woddy Allen ou Patricia Highsmith. Ou se quiser recuar uns anos, à de Ludwig Van Beethoven. Ou mesmo à de Manoel de Oliveira ou Agustina Bessa Luís. E será assim tão incómodo? Talvez, mas a quem já leu Franz Kafka ou Georges Bataille ou Henry Miller ou o Marquês de Sade ou mesmo E. G. Wells não incomodará por aí além. Ou para quem leu Nietsche… E o ritmo alucinante das narrativas? Basta ouvir o “movimento perpétuo” de Carlos Paredes para se poder ouvir/ler o discurso de Saramago.


E já agora, porquê esta Obra? Não seria eventualmente mais confortável falar d’o Memorial do Convento, essa obra maior da nossa literatura, ou d’o Ensaio sobre a cegueira, ainda por cima agora recriada em filme por Fernando Meirelles? Claro que sim, mas a tentação de Saramago de reflectir sobre uma personagem que marcou de uma forma tão profunda a nossa história nos últimos vinte séculos deve ter sido tudo menos estimulante. Desde os Concílios Medievais que “fabricaram” a Bíblia Sagrada até às reflexões sobre a história do Cristianismo ou mesmo obras de referência do século passado, temos uma grande panóplia de obras sobre a figura de Jesus Cristo, muitas delas produzidas no século passado (tempo a que não serão alheios os estudos sobre o Santo Sudário ou as aparições Marianas – aliás, a Virgem Maria é figura central na teologia do século XX). Nikos Kanzantzakis escreveu uma grande obra sobre Jesus Cristo e levada à tela por Martin Scorcese (“a última tentação de Cristo”, com Willem Dafoe, Harvey Keitel e Barbara Hershey, realizado em 1998); se Mel Gibson (“a paixão de Cristo”) também quis apresentar a sua “reflexão”, para não falar da soberba “Ópera-Rock” Jesus Christ Superstar, de Tim Rice e Andrew Lloyd Webber também “convertida” em filme, o que poderia impedir um grande Escritor de escrever um “Evangelho” - apócrifo – e neste “mostrar” a sua Magna personagem?


Provavelmente nada…


E, José Saramago, como grande escritor universal, que transcende mesmo o seu tempo, apresenta-nos neste Evangelho uma visão intemporal e muito própria sobre Jesus Cristo, perturbante e genial, para ser lida com a abertura intelectual de quem não se importar de manter a Bíblia Sagrada ao lado e eventualmente alternar a leitura… afinal de contas estamos a falar de uma das figuras mais importantes, perturbantes e eventualmente a mais incontornável da nossa Civilização.

E o grande Saramago, a páginas 283 a 285 da primeira edição da Caminho relata desta forma extraordinária o encontro com Jesus e Maria de Magdala, um dos mais perturbantes “encontros” para a Teologia da Igreja Católica Romana:


“Durante todo o dia, ninguém veio bater à porta de Maria de Magdala. Durante todo o dia, Maria de Magdala serviu e ensinou o rapaz de Nazaré que, não a conhecendo nem de bem nem de mal, lhe viera pedir que o aliviasse das dores e curasse as chagas que, mas isso não o sabia ela, tinham nascido noutro encontro, no deserto, com Deus. Deus dissera a Jesus, A partir de hoje pertences-me pelo sangue, o Demónio, se o era, desprezara-o, Não aprendeste nada, vai-te, e Maria de Magdala, com os seios escorrendo suor, os cabelos soltos que parecem deitar fumo, a boca túmida, olhos como de água negra, Não te prenderás a mim pelo que te ensinei, mas fica comigo esta noite. E Jesus, sobre ela, respondeu, O que me ensinas, não é prisão, é liberdade. Dormiram juntos, mas não apenas essa noite. Quando acordaram, já manhã alta, e depois de uma vez mais os seus corpos se terem buscado e achado, Maria foi ver como estava a ferida do pé de Jesus, Tem melhor ar, mas não devias ir ainda para a tua terra, vai-te fazer mal o caminho, com esse pó, Não posso ficar, e se tu mesma dizes que estou melhor, Ficar, podes, a questão é que tenhas a vontade, quanto à porta do pátio, estará fechada por todo o tempo que quisermos, A tua vida, A minha vida, nesta hora, és tu, Porquê, Respondo-te com as palavras do Rei Salomão, o meu amado meteu a mão pela abertura da porta e o meu coração estremeceu, E como posso ser o teu amado se não me conheces, se sou apenas alguém que te veio pedir ajuda e de quem tiveste pena, pena das minhas dores e da minha ignorância, Por isso te amo, porque te ajudei e te ensinei, mas tu a mim é que não poderás amar-me, pois não me ensinaste nem ajudaste, Não tens nenhuma ferida, Encontrá-la-ás se a procurares, Que ferida é, Essa porta aberta por onde entravam outro e o meu amado não, Disseste que sou o teu amado, Por isso a porta se fechou depois de entrares, Não sei nada que possa ensinar-te, só o que de ti aprendi, Ensina-me também isso, para saber como é aprendê-lo de ti, Não podemos viver juntos, Queres dizer que não podes viver com uma prostituta, Sim, Por todo o tempo que estiveres comigo, não serei uma prostituta, não sou prostituta desde que aqui entraste, está nas tuas mãos que continue a não o ser, Pedes-me demasiado, Nada que não possas dar-me por um dia, por dois dias, pelo tempo que o teu pé leve a sarar, para que depois se abra outra vez a minha ferida, Levei dezoito anos para chegar aqui, Alguns dias mais não te farão diferença, ainda és novo, Tu também és nova, Mais velha do que tu, mais nova que a tua mãe, Conheces a minha mãe, Não, Então porque disseste, Porque eu nunca poderia ter um filho que tivesse hoje a tua idade, Que estúpido sou, Não és estúpido, apenas inocente, Já não sou inocente, Por teres conhecido mulher, Não o era já quando me deitei contigo, Fala-me da tua vida, mas agora não, agora só quero que a tua mão esquerda descanse sobre a minha cabeça e a tua direita me abrace.”


E Jesus e Madalena são aqui “perdoados”, num discurso sublime… Jesus e Maria aparecem aqui muito mais humanos que na Liturgia.


É preciso mais para ler ou reler este livro fantástico?


Podem ler aqui no blog do Cupido.

A herança de Eszter



Já que ando numa de livros pequenos em tamanho mas grandes em qualidade, aqui fica outro que li a seguir ao A Morte de Ivan Ilitch que se enquadra nessa categoria:
A Herança de Eszter - de Sándor Márai.
Sándor Márai, escritor húngaro de quem já falei aqui sobre outro livro que li dele, Rebeldes, traz-nos esta pequena história de um amor mal resolvido e de uma separação de mais de 20 anos.
Eszter, apaixonada por Lajos, um homem sem escrúpulos, vigarista, ambicioso e mentiroso, que casou com a irmã mais velha dela, está há mais de 20 anos sem o ver e sem ter notícias dele, vivendo pacatamente na sua casa de família apenas com uma tia mais velha como companhia, até ao dia em que recebe um telegrama a avisa-la da chegada de Lajos.
A partir daí vem ao de cima todo um conjunto de emoções, dúvidas e certezas acerca do seu amor por lajos e por tudo o que passou nesses 20 anos devido a ele.
Com a chegada de Lajos, com os seus filhos e mais dois estranhos acompanhantes inicia-se um desfilar de conversas, de situações contraditórias, desabafos, descobertas surpreendentes e outras mentiras, terminando com a "queda" de Eszter nas "garras" de Lajos sendo enganada novamente, embora com plena consciência e permissão dela para isso, apesar dos avisos dos amigos mais chegados.
Sándor Márai com este livro fala-nos do amor, do destino, das leis da vida e da nossa força ou fraqueza perante essas forças que se juntam ou separam transformando a nossa vida de várias formas.
Mais um dos livros que recomendo a sua leitura, pequeno, com uma escrita simples mas também muito directa.


Pode ler aqui no blog do Pipas.