terça-feira, 12 de agosto de 2008

Contos da Montanha

Este post começa com um desafio feito pela Ameixa na sequência de uma espécie de intercambio de bloguers. Bem, no essencial a ideia é propor um livro que se esteja a ler ou que se tenha lido e que se considere marcante. Claro que por mero exercicio mental podia desencantar um belo grupo de livros que gostei particularmente de ler, um outro grupo de livros "pour eppáter les bourgeois" e ainda um outro com a Biblia.

Decidi escolher uma modesta Obra de um modesto Autor que até praticava medicina e que nos obrigavam a ler aos doze anos, bem como a interpretar "coisas".

O Autor dispensa apresentações (só não foi apresentado aos tipos do Nobel, infelizmente), a sua Obra é mais que lida e sobretudo, mais que reconhecida. Constitui, no seu todo uma das mais belas heranças do século passado, uma perturbante e às vezes arrepiante cosmogonia que por acaso mora mesmo aqui ao lado, em qualquer das aldeias, dos seus habitantes, dos factos narrados.


É ao mesmo tempo de um absoluto rigor e de uma desconcertante simplicidade (como é que se consegue condensar tanta vida em tão poucas páginas?).


Da Enorme Obra de Miguel Torga escolhi os "Contos da Montanha", publicados em 1941. Porquê? Porque é daqueles livros que sempre que se leem nos mostram um ou outro pormenor descurado em leituras anteriores, porque a sua dimensão física está nos antípodas do que intelectualmente nos dá e porque podemos sempre depois de um conto, fazer uma pausa... mas só depois de ler este prefácio:


Prefácio à Quarta Edição

Depois de muitos anos de desterro, regressam novamente ao torrão natal os heróis deste atribulado livro. Numa época em que tantos portugueses de carne e osso emigraram por fome de pão, exilaram-se eles, lusitanos de papel e tinta, por falta de liberdade. Enfarpelados num duro surrobeco de embarcadiços, lá se foram afoita- mente em demanda do Brasil, o seio sempre acolhedor das nossas aflições. E ali viveram, generosamente acarinhados, assistidos de longe pela ternura correctiva do autor. Voltam agora ao berço, roídos de saudades. E não é sem apreensão que os vejo pisar, já menos toscos de aparência, o amado chão da origem. É que muita água correu sob a ponte desde que se ausentaram. Quatro décadas de opressão desfiguraram completamente a paisagem do país. A humana e a outra. Velhos desamparados, adultos desiludidos, jovens revoltados - num palco de desolação. Almas amarfanhadas e terras em pousio. Que alento poderá receber dum ambiente assim uma esperança de torna-viagem? Mas a pátria é um iman, mesmo quando a universalidade do homem, como neste preciso momento, sai finalmente dos tacanhos limites do planeta. Poucos resistem à sua atracção ao verem-se longe dela, seja qual for a órbita em que se movam. Até os seus filhos de ficção. Por mais fortuna que tenham pelo mundo a cabo, é com o ninho onde nasceram que sonham noite e dia. É que só nele se exprimem correctamente, estão certos nos gestos, são realmente quem são. De maneira que não me atrevi a contrariar a vinda das minhas humildes criaturas, como a prudência talvez aconselhasse. Pelo contrário: favoreci-a. Pode ser que o exemplo seja seguido, e o êxodo, que empobreceu a nação, comece a fazer-se em sentido inverso, e as nossas misérias e tristezas mudem de fisionomia. Portugal necessita urgentemente de ser repovoado.



S. Martinho de Anta, Natal de 1968


Miguel Torga












Pode ler aqui no blog do Cupido.

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