terça-feira, 26 de agosto de 2008

Veneza: O encontro do Ocidente com o Oriente

uma diva na Academia dos Livros.....






Tudo começou com um convite da querida Cláudia ... a idéia é adorável, encantadora. Adoro ler, acredito que herdei o gosto pela leitura da mamãe, que é formada em Biblioteconomia e sempre nos incentivou muito a ler. A Cláudia juntou pessoas queridas que também dividem este prazer e criou a "Academia dos Livros". A Ameixinha está reunindo todos os posts da Academia aqui. Já escreveram sobre muita coisa interessante...autores que desconhecia, outros que aprecio, outros que li e reli .... muito bom.

Entre Clarice, Machado, Zafón vou falar sobre Fernanda de Camargo-Moro. A Fernanda tem tudo a ver com o Sopa pois fala muito sobre culinária ..... Nao precisamos ler mais do que uma página para se encantar com a Fernanda. Li dois livros da Fernanda e comecei o terceiro ontem. Seus livros sao pura história, cultura, arqueologia, dicas, receitas ..... Me encanta a riqueza dos detalhes, a veracidade dos fatos ..... A Fernanda é carioca, cursou Museologia e História, é autora de diversos livros e tem um currículo admirável. O primeiro livro que li da Fernanda foi a "Ponte da turquesas". Já falei sobre o livro aqui, aqui, aqui, aqui e ele mora no meu criado mudo. O sultão Fatih Mehmet que o diga ......

Atualmente estou lendo "Arqueologias culinárias da Índia" mas vou comentar sobre o último livro da Fernanda que li. O livro é intitulado " Veneza: O encontro do ocidente com o oriente."

A Fernanda conseguiu contar toda a história de Veneza através da culinária. É incrível como ela descreve a construção de Veneza e ao mesmo tempo a evolução e a consagração da culinária local.

O livro foi vencedor do Gourmand World Cook Awards 2003 na categoria história da gastronomia e cozinha italiana. Quando a Fernanda escreveu o livro ela disse que ele contribuiria muito com o movimento slow-food. Tenho certeza que contribuiu e que continua contribuindo. Sou de origem italiana, veneziana assim como a Fernanda e não foi nada difícil me encantar ainda mais por Veneza. Ela conhece aquela cidade como ninguém....cada cantinho, aroma, sabor ..... o livro é puro encanto, receitas, história .....


Em "Veneza: o encontro do oriente com o ocidente" matei minha curiosidade sobre a origem do risotto, descobri porque o carpaccio se chama carpaccio, tive uma aula sobre a polenta em Veneza, o cardápio das festas tradicionais, bebi muito café, aprendi sobre a influência judaica na culinária veneziana .... viajei da Turquia até Veneza...fui de figos à fígados ..... Pensei em citar muitos trechos que me fascinaram mas quando peguei o livro nas mãos ele abriu bem no trecho em que a Fernanda fala sobre o foie-gras ..... E vamos à provável origem do famoso foie-gras ......"

Oriundo das mesas refinadas dos faraós egípicios, grande sucesso nas mesas romanas, o fígado também foi adotado pela culinária do povo da Laguna, onde até hoje é prato obrigatório. Mas quem teria inventado a engorda dos fígados? Um baixo-relevo egípcio datado da V dinastia mostra que Ti, o chefe dos segredos do faraó em todas a suas casas, era um grande aficionado dos foie-gras. .......... e Ateneu escreveu no século III que gansos gordos tinham sido enviados como presente pelo faraó do Egito ao rei Agesilau de Esparta, em 400 a.C. No Banquete dos sofistas, é citado o foie-gras, e entre as frases admiráveis, uma o define: "Um fígado ou, antes, uma alma de ganso ...." Teria sido uma lembrança do saber dos povo da Mesopotâmia, que consideravam o fígado o lugar onde ficava o sentimento." (Fernanda de Camargo-Moro)


Uma receita com fígado citada por Fernanda....

"fígado aos aromas":

1 peça de fígado, 1 punhdo de folhas de alecrim, sálvia, tomilho e salsa, 1 cebola grande, meio copo de azeite de oliva, meio cálice de vinho branco, 1 punhado de pimentanegra do Malabar moída na hora.


Numa caçarola com água e um punhado de folhas de alecrim, sálvia, tomilho e salsa, colocar um pedaço inteiro de fígado, sem a pele, para cozinhar em fogo brando, durante uma hora. Retire o fígado, deixe esfriar e corte-o em iscas finas. Cubra-as com uma cebolada de fatias finas umidecida com vinagre e vinho, frita no óleo. Salgue e polvilhe com bastante pimenta-negra moída. Deixe num lugar bem fresco para servir no dia seguinte. Como contorno....o fígado pede polenta, e da mais clara!


O livro é muito, muito interessante mesmo......assim como todos os livros da Fernanda de Camargo-Moro que tenho na biblioteca. Quem sabe amanhã não descobrimos algo sobre a polenta .....

Pode ler aqui no blog da Fabrícia.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Aos olhos de Deus



Comprado em Abril, com direito a autógrafo do autor e tudo, só agora o li.

É um livro do meu género favorito (romance histórico) e gostei bastante.

O enredo passa-se em 1514 e conta-nos a história de amor entre o fidalgo da corte de D. Manuel I, Diogo Pacheco, e a judia Raquel Aboab, que ele salvou da fogueira quando ela ainda era criança.

Mas, o valor acrescido deste romance, é que não se passa apenas em Lisboa, na corte.

O cenário deste romance é a riquíssima expedição da embaixada portuguesa a Roma, ao Papa.

Muito interessante ficarmos a saber pormenores da famosa viagem e das ofertas do rei de Portugal ao Papa Leão X!

Interessantes também ( e de certa maneira inesperados!) os muitos podres da igreja católica da época!

Uma das impreeões que também me ficou deste livro é a de que o autor não aprecia lá muito o "venturoso" rei, D. Manuel I.

Achei estranho porque normalmente D. Manuel é tido como um grande rei, que reinou numa época de vacas gordas e a quem tudo correu bem!


Pode ler aqui no blog da Saltapocinhas.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Aconteceu na Argentina


Mais um excerto do livro Aconteceu na Argentina:

"(...) "Carlos", disse ela, "está a acontecer uma coisa na Plaza de Mayo que tu tens que ver.""E não pode esperar?"
"Não", respondeu ela, "estão lá umas mulheres a fazer uma manifestação."
"E ainda não aconteceu nada?"

Toda a gente sabia que o regime havia proibido ajuntamentos públicos. (...) As novidades de Esme entusiasmaram Carlos, que punha a hipótese de a manifestação significar que os generais haviam mudado de maneira de pensar.

(...) Assim que Esme e Carlos chegaram à praça, este percebeu que os cartazes continham epitáfios e que o denominador comum destas mulheres era serem mães. As fotografias dos desaparecidos estavam no centro de cada cartaz, e debaixo destas liam-se as incrições a letras pretas e gordas:

ONDE ESTÁ RUBÉN MACIAS?

ONDE ESTÁ JULIA OBREGON?

PARA ONDE LEVARAM A MINHA FILHA E O MEU NETO?

Conforme as mulheres passavam, caminhando silenciosamente, ele quase conseguia ouvir a angústia das suas perguntas, mas esse som imaginário era menos perturbador do que os rostos das mães e dos que tinham desaparecido de suas vidas."
Pode ler aqui no blog da Isabel.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Aconteceu na Argentina


Acabei agora de ler o livro Aconteceu na Argentina, de Lawrence Thornton. Não conhecia o autor, nem o livro. Descobri-o no outro dia na estante da minha irmã e resolvi lê-lo. É um livro interessante, que me fez conhecer um pouco mais de um período negro da história da Argentina, a ditadura que durou de 1976 a 1983.
Carlos, Cecília e Teresa são uma família feliz, até ao dia em que Cecília, jornalista, escreve um artigo que não agrada aos generais:
"(...) Cecília, com os seus artigos, já acenava e chamava a atenção dos generais. O último que ela escrevera tinha como tema a questão de uns alunos de liceu em La Plata terem andado a protestar pedindo transportes públicos a preços mais acessíveis. Os generais interpretaram as suas queixas como "subversão nas escolas" e, uma semana depois, foi encontrado um autocarro abandonado numa estrada secundária do interior. Tudo o que restava, dos quinze alunos que tinham constituído a carga de passageiros, era três livros do currículo obrigatório do liceu e o casaco de malha de uma garota. Cecília perguntava até quão baixo estavam os generais dispostos a chegar e pedia a libertação imediata das crianças.(...) Na tarde em que o artigo foi publicado, Cecília desapareceu.
Gosto de pensar que, quando tudo aconteceu as palavras dela ainda pesavam no ar; que, enquanto os polícias se aproximavam da Calle Cordova, aquelas palavras ainda soavam na cabeça de milhares de argentinos; e que aqueles que emitiram a ordem de rapto se sentiram frustrados por se saberem incapazes de raptar também as palavras de Cecília, de destruir o que ela tinha escrito e publicado."
To be continued...
Pode ler aqui no blog da Isabel.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A sombra do vento

Há uns dias atrás a ameixa seca convidou-me para fazer parte duma tertúlia literária e comentar um livro de que eu tivesse gostado. Aceitei o convite, lisonjeada, mas surgiu-me uma crise existencial...que livro comentar quando gosto de tantos?

Ler é, e sempre foi, uma paixão! Tinha três anos apenas e já vislumbrava que a leitura seria um passaporte para viagens e amigos incontáveis e, quando ia às compras com a minha avó, entrava na drogaria, ela sentava-me no balcão e eu punha-me a ler os rótulos da embalagens; O-mo, Ti-de...espertalhona soletrava e tudo! As pessoas à minha volta maravilhavam-se com o prodígio. Tão pequenina e já sabia ler! Pois, eu tinha e tenho é uma memória fotográfica!

Aos doze anos tinha já devorado tudo o que era próprio para a minha idade, Enid Blyton, Odete de Saint Maurice, Júlio Dinis etc. Então o meu pai deu-me autorização para ler as prateleiras de baixo de determinada estante. Eram esses os livros que eu lia de dia e dos quais já nem me lembro dos títulos...Porque à noite...Li às escondidas Stefan Zweig, Dostoievski, Baudelaire. Claro que não percebia aqueles "frissons" apaixonados mas, mais tarde, reli esses autores e entendi.

Percebem agora a minha dúvida? Que livro partilhar? Há livros que nos marcam terrivelmente consoante a idade em que os lemos ou a fase de vida por que passamos.

Assim, porque estou de férias e não tenho grande parte dos livros que amo perto de mim, resolvi comentar « A sombra do vento » de Carlos Ruiz Zafón, vencedor de alguns prémios, nascido em Barcelona e morador em Los Angeles onde colabora com alguns jornais.


A acção deste livro desenrola-se em Barcelona e atravessa diversas épocas, o pós guerra, a Guerra Civil espanhola e o Franquismo, dando-nos uma visão histórica e de costumes. Mas isso é só a paisagem...

O livro começa numa madrugada, com um pai que leva pela mão o seu filho, no maior dos segredos, ao cemitério dos livros esquecidos para que ele escolha um que terá que manter sempre vivo.

« - Este lugar é um mistério, Daniel, um santuário. Cada livro, cada volume que vês, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram e viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro muda de mãos, cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas, o seu espírito cresce e torna-se forte....»

Este adolescente escolherá, ao acaso, um livro maldito e deixar-se-á cativar de tal maneira pelo enredo que não descansará enquanto não resgatar o seu autor do anonimato. Este facto modificará para sempre a sua vida e arrasta-o para um labirinto de intrigas e segredos em que o passado se cruza com o presente, através de uma Barcelona obscura.

O amor está presente ao longo de toda a narrativa, numas personagens, alucinado e não correspondido; noutras, épico, ingénuo e puro; noutras ainda, doentio e vagabundo.

«Ao atravessar a sala na base da escadaria, Julian ergueu a vista e vislumbrou de raspão uma silhueta a subir com a mão no corrimão. Sentiu que se perdia numa visão.(...) Tinha sonhado com ela em inúmeras ocasiões, com aquela mesma escada, aquele vestido azul e aquela expressão no olhar de cinza, sem saber quem era nem por que lhe sorria.(...) Havia tempo que a aia tinha aprendido a reconhecer nos seus olhares o desafio e a arrogància do desejo: uma vontade cega de serem descobertos, de que o seu segredo fosse um escândalo apregoado e deixassem de se esconder nos cantos e desvãos para se amarem às apalpadelas. (...) Foi então que Julian conduziu Penélope até ao quarto de Jacinta no terceiro andar da casa. Despiram-se à pressa, com raiva e anseio, arranhando a pele e desfazendo-se em silêncios. Aprenderam os corpos um do outro de cor e enterraram aqueles seis dias de separação em suor e saliva...»

Surgem-nos personagens fantásticas, de uma densidade psicológica fascinante, que nos mantêm presos num suspense quase de narrativa policial, que nos levam a ler quase de um fôlego, página atrás de página.

Clara Barceló, cega e ninfomaníaca; Neri o professor de música e gigôlo; Fermin Romero de Torres, vagabundo resgatado à rua e que se revela um filósofo e braço direito de Daniel; Fumero, chefe da polícia que persegue tudo e todos como uma sombra derramando a sua raiva e esperando a sua presa com paciência de aranha; Nuria, tradutora e apaixonada infeliz de Julian; Miguel, o mais fiel dos amigos; Penélope e Bea as mulheres amadas por Julian e Daniel respectivamente; etc...

E, curiosamente, quanto mais Daniel investiga Julian Carax, o autor desconhecido do seu livro, mais a história que descobre se parece com a vida que ele próprio vai vivendo, num paralelismo que nos parece tão evidente que lhe adivinhamos o final trágico,... de um e de outro.

Mas seria demasiado óbvio para um romance tão bem construído!

É exactamente esta obstinada procura, esta fidelidade incorruptível deste jovem Daniel que levará a um desfecho inesperado que eu não vos vou contar, claro!

O autor deste livro tem um estilo único, uma linguagem forte, descrições pormenorizadas e poéticas. Irónico e até cínico na análise da vida. Hilariante e desconcertante quando menos esperamos.

Bea diz já no final da história « que a arte de ler está a morrer muito lentamente, que é um ritual íntimo, que um livro é um espelho e que só podemos encontrar nele aquilo que já temos dentro, que ao ler aplicamos a mente e a alma, e que estes são bens cada dia mais escassos.» Eu digo isto quase todos os dias na ânsia de motivar para a leitura.

Muito mais haveria a dizer mas acho que o post já vai longo demais. Espero ter conseguido aguçar-vos a curiosidade, suficientemente, para que tenham a tentação de ler o livro e, acreditem, é muito melhor do que eu o descrevi.
Pode ler aqui no blog da Noémia.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Filipa de Lencastre- A Rainha que mudou Portugal

Academia dos livros,
é uma ideia original da Cláudia.
Esta "academia", embora acabadinha de criar, tem já um número de sócias jeitoso (sócias porque, pelo menos por enquanto, é só mulherio...)
E que fazem as sócias?
Bom, temos de falar sobre um livro que tenhamos lido ou estejamos a ler.
Falamos sobre ele, dizemos de nossa justiça, copiamos passagens, convencemos os outros a lê-lo também (ou não!)...

O último livro que li foi "Filipa de Lencastre", de Isabel Stilwell.
Adorei!
Eu gosto muito de história (embora seja uma completa ignorante deste assunto) e se a vida das personagens forem assim contadas em forma de romance é muito mais divertido! (também costumo usar esta técnica com os alunos - associar uma personagem histórica a uma história - e eles assim aprendem muito melhor!)

Mas vamos ao livro:
A Isabel conta, de forma romanceada, a história da vida de Philippa of Lancaster - mais tarde Filipa de Lencastre.A história passa-se entre os anos 1360 e 1415 e gostei especialmente de "ver" como viviam as pessoas na Idade Média.
Incrível!
E gosto de imaginar como seriam essas pessoas se vivessem hoje ou apenas alguns séculos mais tarde, com outros recursos!
Gostei tanto do livro que dei por mim com a lágrima no canto do olho quando a heroína morre!




Sinopse:
"Filipa de Lencastre morreu de peste negra, tal como a sua mãe, a 15 de Julho de 1415 com 55 anos. No dia 25 partiam de Lisboa 240 embarcações e um exército de 20 mil homens, entre os quais D. Duarte, o Infante D. Henrique e D. Pedro.
A Praça de Ceuta caía cerca de um mês depois. D. Filipa não esperaria outra coisa dos seus filhos… Mulher de uma fé inabalável, conhecida pela sua generosidade, empreendedora e determinada a mudar os usos e costumes de uma corte tão diferente da sua, Filipa de Lencastre deu à luz, aos 29 anos, o primeiro dos seus oito filhos. A chamada Ínclita Geração, que um dia, como ela, partiria em busca de novos mundos e mudaria para sempre os destinos da nação. Frei John, o tutor já tinha previsto o seu destino nas estrelas.
Nasceu Phillipa of Lancaster, filha primogénita de John of Gaunt, mas aos 29 anos deixou para trás a sua querida Inglaterra para se casar com D. João I de Portugal.
A 11 de Fevereiro de 1387 o povo invadiu as ruas da cidade do Porto para aclamar carinhosamente D. Filipa de Lencastre, Rainha de Portugal.
Num romance baseado numa investigação histórica cuidada, Isabel Stilwell conta-nos a vida de uma das mais importantes rainhas de Portugal.
Desde a sua infância em Inglaterra, onde conhecemos a corte do século XIV, à sua chegada de barco a Portugal onde somos levados numa vertigem de sentimentos e afectos, aventuras e intrigas".
Pode ler aqui no blog da Saltapocinhas.

Contos da Montanha

Este post começa com um desafio feito pela Ameixa na sequência de uma espécie de intercambio de bloguers. Bem, no essencial a ideia é propor um livro que se esteja a ler ou que se tenha lido e que se considere marcante. Claro que por mero exercicio mental podia desencantar um belo grupo de livros que gostei particularmente de ler, um outro grupo de livros "pour eppáter les bourgeois" e ainda um outro com a Biblia.

Decidi escolher uma modesta Obra de um modesto Autor que até praticava medicina e que nos obrigavam a ler aos doze anos, bem como a interpretar "coisas".

O Autor dispensa apresentações (só não foi apresentado aos tipos do Nobel, infelizmente), a sua Obra é mais que lida e sobretudo, mais que reconhecida. Constitui, no seu todo uma das mais belas heranças do século passado, uma perturbante e às vezes arrepiante cosmogonia que por acaso mora mesmo aqui ao lado, em qualquer das aldeias, dos seus habitantes, dos factos narrados.


É ao mesmo tempo de um absoluto rigor e de uma desconcertante simplicidade (como é que se consegue condensar tanta vida em tão poucas páginas?).


Da Enorme Obra de Miguel Torga escolhi os "Contos da Montanha", publicados em 1941. Porquê? Porque é daqueles livros que sempre que se leem nos mostram um ou outro pormenor descurado em leituras anteriores, porque a sua dimensão física está nos antípodas do que intelectualmente nos dá e porque podemos sempre depois de um conto, fazer uma pausa... mas só depois de ler este prefácio:


Prefácio à Quarta Edição

Depois de muitos anos de desterro, regressam novamente ao torrão natal os heróis deste atribulado livro. Numa época em que tantos portugueses de carne e osso emigraram por fome de pão, exilaram-se eles, lusitanos de papel e tinta, por falta de liberdade. Enfarpelados num duro surrobeco de embarcadiços, lá se foram afoita- mente em demanda do Brasil, o seio sempre acolhedor das nossas aflições. E ali viveram, generosamente acarinhados, assistidos de longe pela ternura correctiva do autor. Voltam agora ao berço, roídos de saudades. E não é sem apreensão que os vejo pisar, já menos toscos de aparência, o amado chão da origem. É que muita água correu sob a ponte desde que se ausentaram. Quatro décadas de opressão desfiguraram completamente a paisagem do país. A humana e a outra. Velhos desamparados, adultos desiludidos, jovens revoltados - num palco de desolação. Almas amarfanhadas e terras em pousio. Que alento poderá receber dum ambiente assim uma esperança de torna-viagem? Mas a pátria é um iman, mesmo quando a universalidade do homem, como neste preciso momento, sai finalmente dos tacanhos limites do planeta. Poucos resistem à sua atracção ao verem-se longe dela, seja qual for a órbita em que se movam. Até os seus filhos de ficção. Por mais fortuna que tenham pelo mundo a cabo, é com o ninho onde nasceram que sonham noite e dia. É que só nele se exprimem correctamente, estão certos nos gestos, são realmente quem são. De maneira que não me atrevi a contrariar a vinda das minhas humildes criaturas, como a prudência talvez aconselhasse. Pelo contrário: favoreci-a. Pode ser que o exemplo seja seguido, e o êxodo, que empobreceu a nação, comece a fazer-se em sentido inverso, e as nossas misérias e tristezas mudem de fisionomia. Portugal necessita urgentemente de ser repovoado.



S. Martinho de Anta, Natal de 1968


Miguel Torga












Pode ler aqui no blog do Cupido.

domingo, 10 de agosto de 2008

A minha "Insustentável Leveza do Ser" cruzada com "Jules et Jim" ou ao contrário


Se bem me recordo, um colega de turma emprestou-me este livro tinha eu 15 anos. Comprei-o depois, mais tarde, emprestei-o e nunca o reavi. Foi-me oferecido por uma grande amiga em 2002. Um livro que marcou a minha tomada de consciência sobre as relações amorosas, quando ainda vivia na ignorância das mesmas. Uma história sobre pessoas que arriscam sair da fila e partir em direcção ao desconhecido. Não apenas Sabina, aparentemente a mais ousada das personagens, mas também todos os outros, mergulhados numa época confusa de ameaças de guerra e censura. Personagens menos intelectualizadas do que possamos imaginar dão corpo a histórias que, para alguns, nunca passarão de fantasias de vidas diferentes, e, para outros, são um retrato quase fiel das venturas e desventuras vividas no seio de uma sociedade mais ou menos moralista e limitada. Poderá um livro destes ser, meramente, um entretenimento? Poderá ser ignorado? As questões que este romance levanta são bem mais do que as respostas. Gostaria de aproveitar a deixa para vos falar de uma pequena teoria pessoal e perfeitamente transmissível (haja quem tenha percebido o mesmo que eu e talvez há mais tempo). Encontrei alguns paralelos entre a história de Kundera e o filme de 1962 realizado por François Truffaut, Jules et Jim. Em vez de vos maçar com um texto teórico deixo-vos as palavras, nomes próprios e conceitos abordados por Truffaut e mais tarde por Kundera (não será difícil pela cronologia perceber quem se inspirou, e muito bem, em quem):

- Tomas (Catherine, no filme de Truffaut interpretada por Jeanne Moreau, numa sequência logo no início do filme decide vestir-se de homem e sair com Jules e Jim para ver até que ponto as pessoas na rua a confundiam de facto com um homem. Esse "disfarce" chama-se Tomas, o nome de uma das principais figuras do livro de Kundera);

- Tereza é nome da mulher de Tomas em Kundera e foi uma das paixões de Jules ("la locomotive") antes de conhecer Catherine;

- Sabina (o nome de uma das personagens femininas do romance de Kundera e nome da filha de Catherine e Jules, no filme de Truffaut);

- o chapéu de coco que aparece estrategicamente nas duas histórias (mais explorada a sua simbologia no livro);

- o léxico de palavras mal entendidas (no romance aparece-nos como uma tentativa de aproximação aos significados diferentes que Sabina e Franz dão às mesmas coisas e no filme Catherine e Jules discutem sobre o facto de existirem palavras que numa língua são do género feminino e noutra do género masculino);

- o próprio enredo das duas histórias, marcadamente centrado na temática da efemeridade das relações e a entrega a várias paixões em simultâneo;

- Catherine, em Truffaut, é, nas palavras do narrador, "a mulher que se entrega, mentalmente, a um desconhecido" e, para a Sabina de Kundera, "nada há de mais belo do que partir em direcção ao desconhecido".

Aqui estão alguns excertos do romance de Milan Kundera para despertar a curiosidade dos que ainda não o leram ou fazer recordar aos que já o conhecem:

"No mundo do eterno retorno, todos os gestos têm o peso de uma insustentável responsabilidade."
(...)
"Sentiu então um amor inexplicável por essa rapariga que mal conhecia. Parecia uma criança que alguém pusera numa cesta untada com pez e abandonara às águas de um rio para ele recolher na margem da sua cama."
(...)
"Não poder viver senão uma vida é pura e simplesmente como não viver."
(...)
"Tomas ainda não sabia que as metáforas são uma coisa perigosa. Com as metáforas não se brinca. O amor pode nascer de uma única metáfora."
(...)
"Mesmo presa da maior agitação, nos braços dele, a calma acabava sempre por chegar. Tomas contava-lhe em voz baixa contos que inventava só para ela, pequenos nadas, coisas tranquilizantes ou divertidas que ia repetindo num tom monocórdico. Na cabeça de Tereza as palavras transmutavam-se em visões confusas que a transportavam ao primeiro sonho. Tomas tinha um poder absoluto sobre o seu sono e Tereza adormecia sempre no exacto segundo que ele escolhera para isso."
(...)
"O acaso tem destes sortilégios, a necessidade, não. Para um amor se tornar inesquecível é preciso que, desde o primeiro momento, os acasos se reúnam nele como os pássaros nos ombros de São Francisco de Assis."
(...)
"Poderia dizer que ter vertigens é embriagarmo-nos com a nossa própria fraqueza, mas, em vez de resistir-lhe, queremos abandonar-nos a ela."
(...)
"No chão, ao pé do espelho, havia um velho chapéu de coco enfiado numa cabeça postiça. Baixou-se, apanhou-o e pô-lo na cabeça. A imagem do espelho transformou-se imediatamente; agora, era a imagem de uma mulher em roupa interior, bela inacessível, fria, com um chapéu de coco completamente despropositado na cabeça. Estava de mão dada com um senhor de fato cinzento e de gravata."*
(...)
"Para Sabina, não há nada mais belo do que partir para o desconhecido."

A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera, 1983.
* Magritte?
Pode ler aqui no blog da debbie harry.

Filipa de Lencastre - A Rainha que mudou Portugal

Em resposta ao interessante convite da Ameixinha, venho mostrar-vos o livro que acabei de ler e que se revelou uma agradável surpresa: FILIPA DE LENCASTRE A Rainha que mudou Portugal de Isabel Stilwell



Conheci a escritora Isabel Stilwell numa Mini-Feira do Livro que se realizou na minha escola, com o livro Histórias para Contar em 1 Minuto e 1/2, na qual participou como convidada.
Ela é jornalista e escritora, com um longo percurso na imprensa escrita e sempre se confessou apaixonada por romances históricos.


Desta vez pesquisou a vida de Philippa of Lancaster, mais tarde Filipa de Lencastre de Portugal, escrevendo uma biografia romanceada, que procurou manter muito próxima dos factos possíveis de apurar seiscentos anos depois.É uma aventura de reencontro com o passado.




«A escritora lembrou-se de escrever sobre Filipa de Lencastre também por uma questão de afinidade: "Há uma ligação muito forte com o facto de eu pertencer a uma família inglesa e da minha mãe ser de Lancaster - exactamente da mesma zona de onde veio a Filipa - e também ter tido oito filhos, exactamente como a Filipa", admitiu.


"Não me identifico nada com o lado rigoroso e inflexível da Filipa mas identifico-me com o lado dela de mãe, de pessoa determinada a mudar o mundo para melhor, que é uma ideia para o qual eu fui muito educada a de que estamos cá para prestarmos um serviço", apontou a autora.
Na sua óptica, a melhor qualidade da rainha passava pelo facto de ser "muito leal e muito determinada".


"Ela tirou o partido da vida, não no sentido da vida hedonista, mas no sentido da construção - e isso é fascinante", rematou Isabel Stilwell.»


Para mim, este livro revelou-se um agradável mergulho no passado, levou-me a perceber melhor as formas de pensar e de estar na vida dos habitantes do século XV.

Quando estudamos História, são normalmente os homens que aparecem como lideres, contribuindo com grandes feitos e decisões para o caminho tomado. Achei muito interessante descobrir o papel que esta Mulher, sem nunca se sobrepor ao seu rei e marido, teve na mudança de rumo que Portugal tomou neste século.


Sei que nunca mais vou olhar para as chaminés geminadas do Palácio da Vila (em Sintra) com os mesmos olhos...


Espero ter despertado a vossa curiosidade e apetite para a leitura deste romance...
Pode ler aqui no blog da Anna.

sábado, 9 de agosto de 2008

História do Rei Transparente

Aceitando, com muito prazer, o convite da Ameixinha , mostro um dos últimos livros de li e o que, dentre estes, mais me faz voltar a reler pedacinhos ou capítulos inteiros.
A autora, Rosa Montero, espanhola de Madri, já mereceu o Premio Grinzane Cavour 2005 de literatura estrangeira e o Premio Leer 2004 para melhor livro espanhol com A Louca da Casa.
Em História do Rei Transparente, ela nos leva para o mundo medieval em um romance cujo personagem, Leola, vestida com as roupas de ferro de um guerreiro morto num campo de batalha, atravessa os séculos XII e XII no espaço de uma vida e mostra o nascimento do individualismo e as raízes do Renascimento, bem como o surgimento de novas religiões cristãs por causa da intransigência da Inquisição.
Começa a narrativa assim: "Sou mulher e escrevo. Sou plebéia e sei ler. Nasci serva e sou livre. Vi coisas maravilhosas em minha vida. Fiz coisas maravilhosas em minha vida. Durante algum tempo, o mundo foi um milagre. Depois a escuridão voltou. A pena treme entre meus dedos a cada vez que o ariete investe contra a porta. ..."
Não vou contar mais não, se alguém já tiver lido, me conte o que achou.
Ao lado deste, venho olhando este livro interessante Corantes naturais da flora brasileira.- Guia Prático de Tingimento com Plantas. de Eber Lopes Ferreira, ilustrações de Hiroe Sazaki.
Após a apresentação e receitas de tingimento, cada planta tem uma lâmina encartada, com fios tingidos na cor e a receita de comoproceder em cada caso.

Pode ler aqui no blog da Márcia.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A Paixão segundo G.H

Nunca gostei de perder tempo. Na escola, os tempos livres eram passados a ler. (Ameixa seca)

Faço minhas as palavras simples e sábias da ameixa e, como ela, também gostaria de pertencer a um clube de leitura e discussão de livros. Em alternativa a isso, desafiemo-nos por ora virtualmente. Puxa-me a ameixa para o desafio lançado pela Cláudia M, que reza assim:

"cada um viria falar do livro que anda a ler, ou de um livro que já tenha lido e que queira recomendar. A ideia é cada um vir mostrar o seu livro, comentando-o, pondo citações, etc. O objectivo seria incentivar à sua leitura (ou não)."






Clarice. Ou se adere apaixonadamente à sua escrita visceral, pura e intuitiva ou se lhe é indiferente. Acredito que não haja meio termo para referir o encontro com Clarice Lispector.


1)
Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão.


2)
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.


3)
Oh, pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão – mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca.


4)
Mas embora decepada, esta mão não me assusta. A invenção dela vem da ideia de amor como se a mão estivesse realmente ligada a um corpo que, se não vejo, é por incapacidade de amar mais. Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira.Agora preciso da tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor.
Pode ler aqui no blog da Vague.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Julie & Julia

Fui convidada para participar de um Clube Literário, a Ameixa Seca lançou o desafio e fiquei muito lisonjeada! Quem lançou esta idéia foi a Claudia M.

Descobri a literatura aos nove anos, quando me vi de cama, com hepatite!!!Não tinha o que fazer, só repouso e comecei a ler e ler e ler e não parei mais.


Lia tudo, sem escolher muito, mas com o tempo fiquei mais seletiva.


Pensei muito sobre qual livro indicar e resolvi indicar este por várias razões:


Este livro descobri em um blog ,Comes e Bebes, foi adaptado de um blog e é sobre comida,e tem histórias muito hilárias e me identifiquei muito.


A partir deste livro comecei a pensar no meu blog.





O livro Julie & Julia mostra o lado mais imperfeito, humano e divertido da culináriaEsse lado está em "Julie & Julia - 365 Dias, 524 Receitas e 1 Cozinha Apertada", livro de uma norte-americana em crise que decide afogar os problemas não comendo, mas fazendo comida.


Mas não qualquer comida. Julie Powell, uma texana de 30 anos que mora em Nova York e está cansada das pressões profissionais e reprodutivas, resolve encarar o livro "Mastering the Art of French Cooking" ("Dominando a Arte da Cozinha Francesa"), escrito em 1961 por Julia Child, e a primeira a levar as técnicas da culinária francesa para os lares norte-americanos. Com muita manteiga e cremes. No lugar de ingredientes pré-preparados , o contato com peças inteiras de carne, ossos e vegetais. O livro virou best-seller nos EUA e deve chegar aos cinemas em 2009.

Julie conta histórias engraçadíssimas, como quando decidiu extrair o tutano de um osso sem os instrumentos adequados. "Você tem uma serra elétrica?", sugere o irmão da autora. Para ler a íntegra visite o blog "The Julie/Julia Project".
Pode ler aqui no blog da Alice.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A Espuma dos Dias


Nunca gostei de perder tempo. Na escola, os tempos livres eram passados a ler. Sempre que não tinha os amigos por perto, tinha um livro. Ir ao médico e ter que esperar sem fazer nada, viajar de comboio, esperar por alguém, sempre foi um tempo preenchido de leitura.

Boris Vian foi escritor, engenheiro, músico, poeta, cantor, actor, cronista e morreu prematuramente aos 39 anos numa sala de cinema enquanto assistia à adaptação para filme do seu livro "Hei-de cuspir-vos nos túmulos".

Para conhecer o homem também é preciso ouvi-lo. Deixo-vos um vídeo de uma música que me diz muito. Porque Vian via o absurdo da guerra e o destaque do capitalismo, fez o favor de denunciar em canção a sua visão do mundo e em particular da invasão da Argélia.




"Le Déserteur"


Não deixem de ler Vian. Quem conhece o "Arranca corações", "As formigas", "O Outono em Pequim", "Erva vermelha", "Elas não dão por ela", "Morte aos feios" e "Hei-de cuspir-vos nos túmulos" (estes três últimos sob pseudónimo de Vernon Sullivan), sabe que são leituras simplesmente fantásticas, que nos transportam para um mundo novo :) De todos estes falta-me ler "Erva Vermelha" e "Hei-de cuspir-vos nos túmulos", uma falha imperdoável.

Vian escreve muito acerca do amor e das mulheres. Creio que, para ele, só é possível encontrar mulheres bonitas ou mulheres inteligentes. Nunca a fusão desses dois pormenores :)

As mulheres inteligentes são bem capazes de aceitar esta característica em Vian. Há capacidade para ultrapassar essa "falha" dele e apreciar a sua escrita sem ficar ofendida, porque a inteligência é isso mesmo. Não podemos dissociá-lo da época em que viveu.

No prefácio desta espuma Vian refere que «Só existem duas coisas: o amor de todas as maneiras, com raparigas belas, e a música de Nova Orleães ou Duke Ellington. O resto deveria desaparecer, porque o resto é feio (...)»

O suficiente para inflamar alguns espíritos, hein? Vian é um provocador e eu adoro isso, politicamente incorrecto, frontal e sempre bem disposto :)

Como já tinha referido, escolhi uma trágica história de amor. Mas é uma história sublime, em nada igual a todas as outras que já leram. Vian usa o sarcasmo, o absurdo, a ironia e o bom humor para dar asas às histórias. É isso que o distingue de muitos outros.O livro de Vian que escolhi fala de um casal de apaixonados, cujo amor é intenso mesmo depois de uma tragédia. Colin fará de tudo por Chloé, porque "as paixões saem caro". No livro são muitas as incursões gastronómicas, como poderão ler nas citações.

O título que Vian deu a este livro diz tudo de nós, deu-lhe um significado sincero acerca da vida de todos nós e de todos os seus aspectos. No original, "l'Écume des Jours" traduzido para "A espuma dos dias". Fala do que constitui a espuma de todos os dias: os amigos, os amores, a culinária (Colin tem um cozinheiro particular- Nicolas), o trabalho, os excessos, as doenças, a morte e a vida na sua complexidade. Faz uma crítica ao exagero e a tudo que dele resulta. Porque o amor em excesso também enlouquece e transforma-nos em espuma.

Deixo-vos algumas passagens que me marcaram neste livro e espero que seja o suficiente para vos levar a ler uma história de Vian. Esta foi considerada a obra mais importante de Vian e nem sempre é possível adquirir bons livros por menos de 13€, não é? Espero que sejam motivos suficientes para que leiam mais Vian :)

Colin é um rapaz abastado, tem um cozinheiro particular e um amigo chamado Chick. Tem um rato como animal de estimação e conhece Chloé. A partir daí um grande amor passa por uma grande provação e por muitas situações estranhas em cenários incríveis.

«-Este pâté de enguias é notável - disse Chick. - Quem te deu a ideia de o fazeres? -Foi o Nicolas quem teve a ideia - disse Colin. - Há (ou antes, havia) uma enguia que aparecia todos os dias, saída do cano da água fria, e ele encontrava no laboratório. -É curioso - disse Chick. - E por que é que isso acontecia? -Punha a cabeça de fora e, fazendo pressão com os dentes, esvaziava o tubo de pasta dentrífica. Como Nicolas só usa pasta americana, de ananás, isso deve tê-la tentado.»

«Pendurado na parede que ficava à frente de Colin, via-se Jesus numa grande cruz negra. Parecia satisfeito por ter sido convidado e olhava para tudo com interesse.»

Colin «Ia a correr o mais que podia, e à sua frente as pessoas inclinavam-se lentamente para cair como mecos e ficar estendidas no passeio fazendo um marulhar macio, (...). Chloé repousava, muito branca naquela cama bonita que fora das suas núpcias. Tinha os olhos abertos mas respirava mal (...). Colin, porém, não sabia o que tinha acontecido e corria, sentia medo porque não basta estarmos sempre juntos, também é preciso sentir medo, talvez tivesse sido um acidente, um automóvel que a tivesse atropelado (...).»

«-O doutor quer que ela vá para a montanha - disse Colin. - Está convencido de que o frio consegue matar essa porcaria... (...)
-Também disse que é preciso termos constantemente flores à sua volta - acrescentou Colin.- Para meterem medo à outra...»

A passagem mais admirável para mim é quando Colin arranja um emprego em que tem que semear espingardas e fazê-las crescer direitinhas com o seu calor humano. Cínico e absurdo não é? Acima de tudo, muito inteligente :)

Deixo-vos apenas algumas frases do livro. Não posso contar tudo porque não seria justo para quem quiser ler. É suposto ser apenas uma "entrada" a aguçar o apetite.

Leiam porque como Elie Wiesel diz: "O inferno é um local sem livros"

Perdoem-me o "testamento" mas Vian merece ;)
Pode ler aqui no blog da Ameixa Seca.

domingo, 3 de agosto de 2008

Desafio literário

Acalento um desejo antigo de pertencer a um clube de leitura. Gostava de reunir com um grupinho uma vez por mês para conversar acerca de livros, de autores, de frases, de interpretações, de vidas!


Vejo-me sempre numa mesa redonda com os livros no colo e uma chávena de chá a aconchegar a alma no Inverno ou uma taça de morangos no Verão.


Lembro-me de ler desde que me conheço. Vivo rodeada de livros desde muito criança. Como já tinha dito, o meu pai sempre apostou nos livros como acesso ao conhecimento, à aprendizagem e ao desenvolvimento intelectual dos filhos. Eu não me canso de lhe agradecer este pormenor.

Mas ao nível da literatura de lazer, como lhe chamo, foi o meu irmão mais velho que me abriu as portas a um mundo novo.


A minha mãe diz que, quando entrei para a escola, passado uns meses já estava em frente à televisão a tentar ler as letras que passavam. Acho que vem daí a minha incapacidade matemática :)


Quando fui operada e tive que permanecer uns dias no hospital, pedi que me levassem Banda Desenhada. Tinha 9 anos e estava sozinha num sítio arrepiante. Não sei se foi essa experiência traumatizante que me levou a não apreciar BD. Nunca mais li, passei aos livros de aventuras que lia velozmente para passar ao seguinte e por aí em diante. Quem não leu "Uma Aventura" e "O clube das chaves"? Eu li quase todos :) E a partir daí passei a outra fase. O desenvolvimento é isso mesmo, certo? Nós crescemos e os livros crescem connosco, como companheiros inseparáveis.

Li sempre muito e aprendi muito a ler.


Mas, estou a divagar... A Cláudia apresentou uma ideia fantástica e convidou-me para participar. Não sei se alguma vez lhe disse que adoro ler, mas se não disse, ela acertou em cheio. Lançou um desafio literário em que, cada uma das desafiadas tem que "falar" do livro que está a ler ou de um livro que tenham lido e que queiram recomendar. Obrigada pelo convite Cláudia ;)


Eu leio muito, tenho sempre livros ao pé de mim. Mas há sempre uns que gostamos mais que outros. Há escritores que, conhecendo o estilo, sabemos que gostamos. Eu tenho alguns que, há muitos anos, já foram eleitos como bons e favoritos: John Steinbeck, Albert Camus, Irvine Welsh, Boris Vian, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, entre muitos outros.


Eu sou daquelas pessoas que gosta das tragédias e das surpresas até ao final. Não sou grande fã de romances choramingosos que, a meio do livro, já adivinhamos o fim. E gosto da estranheza das histórias e das personagens, dos desvios de conduta, da riqueza de carácter e da profundidade de quem participa do enredo.


Há muitos anos, quando o meu irmão se apercebeu que eu não era tão estúpida como ele imaginava e quando me viu a ler umas coisas, ofereceu-me um livro. Um livro maravilhoso e mágico. Onde podemos dar asas à imaginação e moldar os personagens como os sentimos e pensamos. Não deixa de ser um romance, é! Não deixa de ser uma bonita história de amor, é! Mas é uma tragédia de amor que exige demasiado aos protagonistas, a Colin e Chloé.


Esta é apenas a primeira parte de um post demasiado longo... Quando dei por mim tinha divagado demais. Mas não vou cortar nada do que disse. Quando a Cláudia me convidou eu sabia que esta minha paixão pelos livros levar-me-ia a um post interminável e cansativo para quem lê. Decidi fazer isto por capitulos para não vos cansar :)
Pode ler aqui no blog da Ameixa Seca.