Do que os homens!
(...)
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
(...)
«A minha sede de infinito é maior do que eu, do que o mundo, do que tudo, e o meu espiritualismo ultrapassa o céu. Nada me chega, nada me convence, nada me enche. Sou uma pobre que nenhum tesouro acha digno das suas mãos vazias. A morte, talvez... esse infinito, esse total e profundo repouso.»
Alma perturbada. Amargura, mágoa, dor, desespero, pessimismo, saudade, tudo isto podemos relacionar com Florbela Espanca, a grande poetisa alentejana, natural de Vila Viçosa, onde nasceu em 1894. A sua vida conturbada, cheia de peripécias, as doenças que a afectaram, e sobretudo a neurose que a martirizava, acabaram por a levar ao suicídio, aos 36 anos.
"Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!"
(excerto do 1º soneto do Livro de Mágoas)
«Só hoje me levantei um pouco. Logo pela manhã muito vaidosamente pedi um espelho para me ver. Fiquei contente: muito pálida, com a boca muito pálida, com umas grandes olheiras roxas, a cabeça envolvida com ligaduras brancas, eu era mesmo... mesmo... adivinhe quem? Pois era mesmo... mesmo... Soror Saudade!
E, como a escandalosa trança preta aparecia a perturbar um pouco a grave religiosidade da minha presença, pedi que a escondessem bem. As monjas têm o cabelo cortado, pois não têm? Riram-se da minha infantilidade e talvez me chamassem doida, mas eu fiquei contente porque então é que eu era mesmo, mesmo igual a Soror Saudade.»
(Excerto de uma carta ao amigo Américo Durão, 1920)
Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...
Livro de Mágoas
O meu mal
A meu Irmão
Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui renda dum vitral,
Que fui cipreste, e caravela, e dor!
Fui tudo que no mundo há de maior,
Fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou um cínico riso de Chamfort...
Fui a heráldica flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mãos aroma aos nardos...
Deu cor ao aloendro a minha boca...
Ah! De Boadbil fui lágrima na Espanha
E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha!
Mágoa não sei de quê! Saudade louca!
Livro de Sóror Saudade
5 comentários:
Na minha adolescência adorava a poesia de Florbela Espanca. Há muito tempo que não a relia. Obrigado por me avivares a memória.
Florbela Espanca é genial; a escolha é fantástica.
Pois... eu sou grande apreciadora de Florbela. Tenho o livro "Sonetos" e alguns poemas que considero perfeitos... "Eu" retirada do "Livro de Mágoas", "A vida" retirada do "Livro de Soror Saudade", "Os meus versos" retirado da "Charneca em flor"... São tantos que nunca mais saía daqui. Guardo estes "Sonetos" religiosamente! Óptima sugestão :)
Boa escolha,gosto imenso de Florbela Espanca,da sua paixão, da sua insatisfação, da sua solidão!
Tive o privilégio de assistir, aqui há tempos, a uma peça levada à cena por um grupo de amadores, no auditório do Museu Soares dos Reis. Os diálogos eram quase todos adaptações das palavras de Florbela e em cena havia um mínimo de adereços. Três mulheres em simultâneo no palco,representavam a poetisa na juventude, no auge da sua maturidade e numa 3ªfase já da loucura. Uma unica figura masculina dava voz aos homens que passaram pela sua vida(pai,irmão e amantes).Foi uma experiência fantástica, muito bem conseguida e que fez brilhar as palavras de Florbela.
Manita, eu lembro-me que tu gostavas bastante da poesia dela. Estás sempre a tempo de a reler. Ainda bem que gostaste.
Cupido, também a acho genial. A força das palavras dela é impressionante.
Ameixa, vou reler alguns dos poemas que mencionas. É sempre um prazer revisitar a Florbela.
Noémia, assistir a essa peça deve ter sido mesmo uma bela experiência; tenho pena de não o ter podido fazer tb... por acaso nunca vi nada desse género, deve ter sido mesmo mto interessante.
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